Como é a rotina de militares e pesquisadores que moram no arquipélago mais distante do litoral brasileiro

Conheça a rotina de militares e pesquisadores que moram na Ilha da Trindade Viver no arquipélago mais distante do litoral brasileiro não é uma tarefa fácil...

Conheça a rotina de militares e pesquisadores que moram na Ilha da Trindade Viver no arquipélago mais distante do litoral brasileiro não é uma tarefa fácil. Pesquisadores e militares da Marinha que moram na Ilha da Trindade, bem no meio do Atlântico Sul, a mais de 1,1 mil quilômetros da costa, têm uma rotina puxada. Todos que passam uma temporada na ilha ficam encarregados de uma série de tarefas que vão da manutenção do local até a coleta de materiais para estudos. Por lá, o dia começa mais cedo do que no restante do país por causa do fuso horário, adiantado em uma hora. 📲 Clique aqui para seguir o canal do g1 ES no WhatsApp 🏝️ A Ilha da Trindade fica a 1.160 quilômetros da costa e é uma Área de Proteção Ambiental (APA). O acesso é controlado e restringido pela Marinha. Para chegar na ilha são 4 dias de viagem em um navio de guerra da Marinha. 🌊 A ilha faz parte de uma cadeia de montes submarinos vulcânicos chamada Vitória-Trindade, que termina na Ilha de Martin Vaz. Juntas, Trindade e Martin Vaz formam o arquipélago da Ilha da Trindade e Martin Vaz. O local abriga grande biodiversidade e possui espécies que só existem lá. Essa movimentação mais frequente de militares e pesquisadores, em um pedaço de terra praticamente inabitado, começou em 1957, quando o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT) foi instalado pela Marinha. No total, Trindade consegue abrigar até 46 pessoas ao mesmo tempo, separadas em alojamentos, que podem ficar no local até, no máximo, quatro meses. Depois, disso, a pessoa precisa retornar ao continente. A ilha também possui um museu, uma estação meteorológica, enfermaria e ambientes de convívio, como o refeitório e uma base de comunicação. Suboficial Xavier já foi 11 vezes até a Ilha da Trindade, Espírito Santo Ramon Porto/TV Gazeta Desde a criação do POIT, Trindade coleciona alguns números: 🏝️ 145 expedições científicas realizadas 🔎 1713 pesquisadores apoiados 🧪 81 projetos realizados 📚 23 universidades do país Conheça a Ilha da Trindade Foto: Arte/g1 Nessa reportagem, você vai conhecer: Histórico e inovações Relatos de quem já foi 11 vezes na ilha Rotina dos pesquisadores Rotina dos militares Essa é a terceira reportagem da série especial do g1, "Expedição Trindade". Na primeira, foi abordado como espécies de corais ajudam em pesquisas relativas ao combate ao câncer. Na segunda, outra pesquisa que analisa fungos de samambaias gigantes e do solo para produção de pesticida natural. Histórico e inovações Usina fotovoltaica funcionando na Ilha da Trindade, Espírito Santo Ramon Porto/TV Gazeta Antes da ocupação da Marinha, a ilha recebeu desembarques de portugueses e ingleses e passou um período sendo utilizada como um presídio para revolucionários políticos, até a primeira expedição científica realizada em 1950. Agora, vários avanços já foram conquistados para facilitar o trabalho dos militares e pesquisadores. O mais novo foi a construção de uma usina fotovoltaica. O sistema híbrido de geração de energia possui painéis fotovoltaicos, baterias de lítio e gerador de reserva. O objetivo é substituir os geradores a diesel, que são mais caros e poluentes, e exigem complexa logística de transporte do combustível fóssil, por uma fonte de energia renovável. A obra demorou cerca de seis meses para ficar pronta e precisou de várias viagens feitas de helicóptero para levar o material do navio até a ilha. O sistema entrou em operação em junho de 2025. O investimento no projeto realizado pela Itaipu, Itaipu Parquetec e a Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM) e da Marinha do Brasil foi de R$ 6,8 milhões. Vista da Trilha do Desejado na Ilha da Trindade, Espírito Santo Ramon Porto/TV Gazeta O local paradisíaco abriga 8 trilhas com níveis de dificuldade que variam do fácil a moderado e levam os pesquisadores e militares a conhecerem diversas paisagens que contam a história de Trindade. Como, por exemplo, a Trilha do Desejado, que leva ao ponto mais alto da ilha. O caminho demora cerca de 9h para ser percorrido, com trechos de corda e 640 metros de altitude e alto nível de dificuldade. Ilha da Trindade, pertence a Vitória, Espírito Santo, e é o arquipélago mais distante do país Ramon Porto/TV Gazeta Já a Trilha do Parcel leva à Praia das Tartarugas, onde fica a maior área de desova de tartaruga-verde no país. Também leva a uma das extremidades da ilha onde fica o resto da cratera de um vulcão. Relatos de quem já foi 11 vezes na ilha Talvez um dos bens mais preciosos da Ilha seja suas histórias. Qualquer um que vai pela primeira vez já consegue colecionar várias. Agora, imagina alguém que já foi 11 vezes para Trindade? O suboficial Xavier tem 57 anos e faz parte da história da Trindade, participando de diversas reformas, inclusive da construção da usina fotovoltaica. “A primeira vez foi em 2011. Eu vim como fiel da guarda. Eu era o dono da água, né? Toda a água, o tratamento de água, era feito por mim aqui. Na segunda vez, eu vim como cozinheiro. Depois, passei a vir para obra. Fizemos aqui as reformas dos banheiros dos alojamentos. Fizemos melhorias no rancho e também a base da usina autovoltaica, que foi a última grande obra. Essa demandou bastante esforço. Foi o maior tempo que já passei aqui, quatro meses”, comentou. O militar também acompanhou mudanças no comportamento da ilha, como a forma de interagir com quem ficava no continente. "Já vim aqui uma vez quando só tinha um Tupi, que era o telefone de utilidade pública. Nós ficávamos dez minutos na fila para poder falar e, às vezes, quando chegava a sua vez, acabava, tinha que voltar no dia seguinte. Isso porque ele era alimentado por uma bateria, e ela não aguentava o tempo todo. Depois, colocaram um equipamento com gerador e melhorou. Funcionava até de noite. Você podia ficar na fila e tinha certeza de que iria conseguir falar com a família, né? Aí veio a internet, que facilitou e muito. Hoje, você faz uma chamada de vídeo do seu beliche, fala com a sua esposa, seus filhos, fala com todo mundo. Bem mais cômodo. A saudade ameniza em função disso, né?", destacou. Ele também guarda memórias que emocionam. "A Ilha da Trindade tem uma magia, até me arrepio. A gente costuma dizer que formamos uma família aqui. Todo mundo se ajuda. Já salvei casamento e até relacionamento entre pai e filho. Não tem dinheiro que pague isso. É uma emoção que vou levar para o resto da minha vida. Tenho os meus filhos da Trindade, tenho os meus amigos e irmãos da Trindade. Isso aí é o que me basta", reforçou. Mesmo já tendo visitado tantas vezes a ilha, o militar contou que a beleza do lugar ainda o surpreende a cada nova viagem para o arquipélago. Ilha da Trindade, Espírito Santo Ramon Porto/TV Gazeta "Cada vez é uma emoção diferente. Vemos coisas diferentes, pessoas diferentes, né? Então, a gente interage com todo mundo. Isso aí torna a experiência única. Cada um tem um olhar: o fotógrafo, o pesquisador, o militar... E cada um vai levar uma imagem totalmente diferente da outra. É muito bom isso", contou. Com tanto tempo "de casa", Xavier disse ainda que a ilha fez com que ele se transformasse em uma pessoa melhor. "Conquistei muitas coisas vindo aqui em Trindade. Me tornei um filho melhor, um marido melhor, um pai melhor. E ainda tô com muito gás para queimar ainda". Rotina dos pesquisadores Pesquisadores tem rotina puxada durante período em que passam na Ilha da Trindade, Espírito Santo Ramon Porto/TV Gazeta Pesquisadores de universidades do Brasil inteiro visitam a ilha para poder entender melhor diversas características de Trindade. Muitas vezes, são descobertas que podem ajudar na saúde, no campo, e também a entender a biodiversidade do ecossistema único existente no arquipélago. Para dar suporte aos materiais coletados, em 2010 foi construída a Estação Científica (ECIT), que conta com microscópios, geladeira e outros materiais que auxiliam os cientistas. Lucas Nunes é doutor em Ecologia pela UFSC e pesquisador do (Programa Ecológico de Longa Duração nas ilhas oceânicas - PELD ILOC). Ele foi pela terceira vez até a ilha. Ele destacou que quem encara passar um período em Trindade precisa estar preparado para trabalho puxado e de mudanças na rotina por causa das condições do tempo, que muda a qualquer instante. "A gente acaba tendo muito trabalho para fazer durante o tempo que ficamos aqui. A gente acorda, toma café, já prepara todos os materiais necessários... Então, é uma rotina bem intensa. A gente está sempre dependendo do mar. Na ilha, a gente vive outro estilo de vida, é uma vida mais calma, não tão corrida, não tem aquela pressa do continente", explicou. Rotina dos militares Navio da Marinha e a Ilha da Trindade, Espírito Santo, ao fundo Ramon Porto/TV Gazeta Na ilha, um militar é designado para cuidar da organização e funcionamento de tudo. Ele é chamado de 01. O chefe do destacamento do POIT, comandante James, explicou que cuidar da ilha é como monitorar uma pequena cidade. "Somos em torno de 38 militares, e cada militar tem a sua função específica. Então, a cada quatro meses é realizada a troca de grupos. Nós temos eletricista, carpinteiro, o responsável pela manutenção dos motores, das máquinas, o próprio mestre que fica controlando a chegada do pessoal, o lançamento e o recolhimento das embarcações, mergulhadores... São diversas funções para manter a ilha operando", disse. A rotina fica mais movimentada nos dias de chegada e partida dos navios da Marinha, nas chamadas viagens "bate-e-volta", com o esquema voltado para abastecer a ilha e também para dar suporte à demanda de quem ficará apenas por poucos dias. "É intenso esses dias quando o navio tá aqui, porque a gente tem que trazer todo o material que vem do continente. Quando o navio não está aqui, a gente consegue ficar exclusivamente para manutenção da ilha. Fazemos manutenção das trilhas, os reparos nos motores e manutenções preventivas". Mapa antigo da Ilha da Trindade, Espírito Santo Arquivo Museu Nacional do Rio de Janeiro VÍDEOS: tudo sobre o Espírito Santo Veja o plantão de últimas notícias do g1 Espírito Santo